O papel da prevenção para um bom envelhecimento cerebral

A esperança média de vida tem sido contínua e globalmente aumentada nas últimas décadas, o que levou a um número crescente de idosos com doenças neurológicas crónicas. Estas doenças têm um efeito quer na função cognitiva quer na capacidade física. Apresentam uma longa fase pré-clínica na qual os doentes não tem sintomas e é possível intervirmos com vista a evitar o declínio cognitivo.

Com o rápido envelhecimento das populações e o peso crescente das doenças neurológicas, mais esforços colaborativos entre a comunidade neurocientífica, os cuidados de saúde primários e outros especialistas são necessários para promover a saúde do cérebro e a prevenção de doenças neurológicas associadas à idade.

O Envelhecimento

O conceito de envelhecimento é um processo contínuo ao longo da vida e que não é estritamente predeterminado por factores genéticos. Uma definição aceite de envelhecimento é a acumulação dependente do tempo e ambientalmente acelerada de dano no nosso sistema biológico. Surge o conceito de alostase que reflecte o ciclo natural e dinâmico entre o stress e reparação. A sobrecarga alostática ocorre quando se acumula stress e o sistema entra em desregulação devido a falhas nos mecanismos de reparação e regulação.

Funcionalmente, o envelhecimento cerebral ocorre através do declínio na cognição, bem como nas competências sociais e motoras. Muitos aspectos estruturais e alterações cerebrais radiográficas foram estudadas referentes a marcadores de envelhecimento cerebral, como adelgaçamento cortical, atrofia cerebral global e hiperintensidades da substância branca, entre outros. Do ponto de vista molecular, os telômeros foram extensamente estudados como marcadores de envelhecimento, mas o comprimento dos telômeros não está consistentemente associado a outros marcadores cerebrais envelhecimento (como por exemplo a alteração do volume do hipocampo) e mais estudos são necessários nesta área.

Nos últimos anos a neuroinflamação tem tido especial destaque, pois parece ser importante para as mudanças estruturais aceleradas no cérebro em envelhecimento e também ser uma componente da doença de Alzheimer. Por outro lado, grandes quantidades de alguns marcadores de inflamação sistémica (por exemplo, interleucina-6) predizem declínio cognitivo em estudos longitudinais, mas a sua causalidade ainda não foi estabelecida. Portanto, não existe um preditor radiográfico ou biológico consistente de envelhecimento cerebral. Da mesma forma, a associação entre a presença de neuropatologia e a função cognição clínica é variável (ou seja, um doente pode ter patologia de alzheimer no seu cérebro mas esta ainda não se traduzir clinicamente, não dar sintomas). Essa variabilidade levou ao conceito de reserva cognitiva, uma construção teórica usada pelos neurologistas para descrever diferenças individuais na suscetibilidade  de défices cognitivos e declínio funcional devido ao envelhecimento ou a doenças neurológicas.

A manutenção da saúde cerebral representa a preservação dos processos do pensamento, planeamento executivo (ex.: fazer uma refeição), função sensitiva e motora, memória e conexão emocional, todos estes influenciam positivamente a qualidade de vida e bem-estar de indivíduos, famílias e comunidades.

Centralizando o foco na saúde do cérebro, é necessário uma grande ênfase na proteção do dano cerebral, pois este dano sobrecarrega os mecanismos de reparação que consequentemente levam a alterações fisiológicas que culminam em sintomas clínicos e progressão irreversível da disfunção cerebral e a doença neurológica. Alguns fatores comuns que causam dano cerebral ao longo do tempo são hipertensão arterial, diabetes mellitus, tabagismo, sedentarismo e má qualidade de sono. É assim importante uma abordagem preventiva ao longo da vida antes de ocorrer comprometimento permanente da estrutura e funcionamento cerebral.

Pilares da Preservação da Saúde Cerebral

A preservação da saúde cerebral assenta em três pilares: alteração da trajetória de exposição ao risco, reforço dos mecanismos de reparação e intervenções no início da vida. Esta abordagem inclui a modificação de comportamentos de saúde, como dieta, exercício e gestão dos padrões de sono para manter a conectividade funcional do cérebro e a resiliência contra patologias relacionadas com a idade.

Estudos longitudinais destacam o papel dos fatores de risco modificáveis ​​nas doenças vasculares e no declínio cognitivo. Iniciativas como Life’s Simple 7 e Life’s Essential 8 da American Heart Association defendem estilos de vida saudáveis ​​para reduzir esses riscos. As mudanças comportamentais individuais são cruciais nesta estratégia preventiva.

A boa função do sistema cardiovascular é fundamental para a capacidade de reparação do cérebro. A unidade neurovascular (ou seja, neurónio-vaso) desempenha um papel fundamental na manutenção da homeostase cerebral e é um alvo primário para a saúde sistémica. Assim, melhorar a saúde vascular sistémica é fundamental para aumentar a resiliência do cérebro aos danos.

A resiliência na saúde cerebral refere-se à manutenção de uma boa função cerebral apesar dos danos. É influenciado por fatores como experiências na infância, neuroplasticidade e conectividade das redes cerebrais. As estratégias para aumentar a resiliência incluem evitar danos na infância (físicos ou psicológicos), promover um ambiente acolhedor durante a infância e manter uma boa saúde vascular desde a idade adulta.

O papel do exercício físico e do sono na saúde cerebral

O exercício físico e o sono adequado são essenciais para a saúde do cérebro. O exercício promove as funções cerebrais através de vários mecanismos, como a neurogênese e a redução da neuroinflamação. O sono é crucial para prevenir o declínio cognitivo e a demência, especialmente no seu papel da eliminação de resíduos metabólicos através do sistema glinfático.

Neste website encontra uma secção dedicada ao exercício físico e outra ao sono, se quiser saber mais informações.

Estratégias de prevenção primária

A prevenção eficaz de doenças neurológicas requer uma combinação de intervenções em toda a população e abordagens direcionadas a grupos de alto risco. Embora as intervenções para grupos de alto risco se concentrem em factores de risco específicos, as estratégias que abrangem toda a população visam reduzir a exposição global ao risco. Uma combinação destas abordagens é fundamental para maximizar os benefícios e retardar ou até impedir o envelhecimento cerebral pouco saudável.

Uma abordagem de cuidados preventivos ao longo da vida visa reduzir a exposição aos fatores de risco, retardar o envelhecimento cerebral e preservar a função cerebral, enfatizando a importância de intervenções precoces. Mais campanhas de saúde pública e ensaios clínicos em diferentes populações são essenciais para a aquisição de maiores conhecimentos sobre a saúde cerebral.

Em resumo, a crescente prevalência de doenças neurológicas na população idosa exige uma mudança de paradigma no sentido de cuidados preventivos na saúde do cérebro. Esta abordagem combina intervenções ao longo da vida, estratégias que abrangem toda a população e medidas específicas para grupos de alto risco, enfatizando a importância de intervenções precoces e estilos de vida saudáveis ​​para manter a função cerebral e a resiliência contra patologias relacionadas com a idade.

Artigo baseado em: Sabayan B. et al. The role of population-level preventive care for brain health in ageing. Lancet, May 2023.

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